segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mastigando cacos de vidro

No peito surdo
um grito mudo.
Um futuro apagado
estampa-se no sorriso ensaiado,
patético.
As lágrimas secas e quentes
de uma hipocrisia morna,
filhas de uma dor ressonante.
A traqueia clama pela
fumaça de um último cigarro,
em vão!
Maldição dos poetas
fadados a sentir além do que devem.
Come chocolates, pequena.
Come chocolates!
Ludibrie-se com tua pretensa
promessa de felicidade.
Não à alcançaras!
Nada me pertence.
O que tenho não cabe
nesse mundo.
O que tenho tenta caber no papel.
Letras, fonemas, palavras vãs.
Forçadas à serem tinta,
para não serem lágrimas
(mais uma vez).
Poema forçado, arrancado.
Estuprado!
A alegria é uma propaganda burra.
Mais um ato que se prossegue.
Continuas com teu riso dissimulado.
Teu rancor aprisionado,
latejante em tuas veias,
pulsante em tua pupila.
As cortinas não se fecham,
o público não aplaude.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

É promessa de vida no meu coração

Tenho sentido uma falta de gostos novos na boca. Sabe, de descobrir um bar nunca visitado antes na cidade, onde descobrimos que podemos apreciar uma cerveja gelada ouvindo aquele som formidável.
Ou então de conhecer aquela pessoa que parece ser diferentes de todas as outras. Fazer assim nascer no peito a promessa de um novo amor, ainda que não se realize. Descobrir os mistérios daquela "outra vida" que entrecruzou com a "minha vida". Lábios mordidos à espera da resposta. Você deve saber do que estou falando. Cinzeiros cheios, copos vazios, corpos sedentos. Tateando vagarosa e calculadamente o território alheio. Ao mesmo tempo, que vestimos o figurino de nosso melhor personagem. Sorrisos abertos, misturam-se a fumaça dos cigarros. Pronto! Está decretado, já se instaurou aquela aura que separa esses viventes do restante do mundo. Durante aquelas horas compartilhadas, eles não perteciam a mais nada a não ser a sua solidão também compartilhada. E tudo se resumiu à alguns encontros não mais que isso, não que um ou outro não fosse a pessoa ideal, nenhum ambicionou ser a pessoa ideal mesmo. Mas, perderam-se. Faltou um algo mais, um vento que leva a nau para o destino desconhecido. Uma pequena epifania.
É faltam-me epifanias.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um doce gosto amargo na boca, um silêncio estridente nos ouvidos

Caralho! Derrubava café em sua blusa novamente, era a segunda vez somente essa semana. Tamanha displicência ao tomar café se tornava compreensível ao perceber sua voracidade sobre as xícaras. Ela queria na verdade, que a cafeína fosse mais que cafeína. Queria cocaína. Precisava disfarçar sua tristeza. Mas que porra de tristeza? Tinha um emprego razoável. Ela tinha também uma família que mantinha uma distância agradável. Trepava com uma freqüência menor que a desejada, é verdade, mas ela preferia assim. Antes o marasmo de uma vida sexual vagarosa a ter mais um otário entre suas pernas, estava cansada de otários.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O inevitavelmente belo, que deve ser evitado

Não quero mais reviver sofrimentos. Guardei-os em um pequeno baú, amarrei neles um fita de cetim, para que sequem feito flores mortas, que carregam a beleza de tempos passados, mas já não possuem nem cores, nem cheiros, nem vida. Cansei da mistificação da beleza de minhas dores.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Impregnado, como porra seca

Meus amores, fadados ao fracasso.
Meus rancores, arranhados na alma
Meus pudores, hipócritas.
Minha hipocrisia, querida!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011


E hoje eu sei que faço parte de um raro grupo de pessoas insanas, desmedidamente loucas. Mas, sobretudo, conscientes da própria demência. É a consciência da minha loucura que me mantêm lúcida. São as dúvidas da minha lucidez que me mantêm viva!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011


Vamos sincopar as falas
Não deixar mais o grito morrer na garganta
Contar estrelas no céu
vamos ser a pedra dura e rústica no meio do caminho
ser a brisa calma que afaga a face das donzelas
a mão libertina que a afaga a coxa da puta!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Com açúcar e rebeldia

Me desculpe, se suas roupas não me servem
Na real, eu não lamento de verdade.
Suas comidas sem sal não me apetecem.
Seus sonhos dourados, cheiram à merda!
Seu amor é brincadeira de criança
perto do meu sexo.
Você e sua falsa bondade
nunca me comoveram.
Tenho pena dos passos marcados
da sua triste dança.
Que você engula e engasgue
com sua falsa moralidade.
Uma realidade obesa, fétida e vesga
bate a sua porta, quase morta.
E você é incapaz de levantar
a bunda do seu sofá
comprado em prestações
nas casas Bahia.
Condena a vizinha que aborta,
sem perceber que em teu ventre
reside a semente do descaso.
Mas tenha certeza,
eu não te incomodo por mero acaso.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Preciso dizer

Estive pensando, meu bem...
nunca lhe caíram bem os meus carinhos.
Foram pra ti o terno do defunto
que sobra nas mangas.
Largo e insólido.
Nunca preencheu de verdade
os vazios da minha cama.
Nunca me rendeu entre os lençóis.
Fingi que te amava,
queria também teu amor de mentira.
Tuas mentiras, e meu gozo quase de verdade.
Somos hipócritas,
Dançando balé!
Me queria pela metade.
Te queria por vaidade.
Éramos um sonho não realizado.
Uma esperança morta.
O  meu cinzeiro ainda guarda as cinzas
do teu cigarro.
O teu corpo ainda guarda as marcas
do meu baton.
Somos o defeito um do outro.
O outro do um.
Feito cocaína!
Êxtase falso.
Vazio real.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ainda me vejo

 No frio duro da noite,
Na boca seca,
Nos lábios partidos,
No meu corpo corrompido,
No copo de conhaque ainda cheio,
Na taça suja de vinho,
Nos cigarros que jazem apagados,
Nos lençóis amarrotados,
Na cama desarrumada.
Mudamos, baby, mudamos...
Já não inundamos todos os vazios.
 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Um quadro da Frida

Sou uma trouxa, cara to sentindo tua falta. Já te disse tem coisas que só consigo falar com vc, acho que devemos ter sido mesmo irmãs em outra merda de vida. Não quero falar bonito hoje, to me sentindo meio fodida, meio ferrada, mais escrota que o normal. To bem. Com um quê de nossa "nova amiga", não vou ligar para Billy Holliday aos prantos. Mas to com uma vontade de xingar algm, de xingar a vida. Preciso fazer isso, tenho uma merda de mania de me conter, contenho meu pranto, contenho minha revolta. O caralho! Não quero mais saber dessa bosta! Tá na hora de eu me deixar ser mais humana, ou como disse Nietchê, demasiadamente humana. Sinto tanta coisa ao mesmo tempo. Mas não quero mais apenas sentir, quero explodir. Que se foda em quem respigar os restos! Quem não estiver comigo que saia do meu caminho, cansei dessa avacalhação. Cara, não sei pq te digo tudo isso, mas eh que tem coisas que só consigo falar com você, porra. To falando mto palavrão também. Mas to precisando mandar a civilidade pro inferno! Alias que vá pro céu, lá eh o lugar dessa civilidade com todo seu tédio embutido! Cara, não sei o que tenho. Na verdade eu sei sim, e por achar meus motivos imbecis fico mais revoltada comigo mesma. Hoje quero sentir revolta. Preciso acordar. Preciso viver. Preciso fazer. Preciso gritar!

sábado, 23 de abril de 2011

Palavras dedicadas à uma carta


As cartas que escrevo e não envio amontoam-se nas gavetas, nas mesas nuas em qualquer superfície crua. Invadem minha mente. Querem fugir às vezes, chegar ao destino jamais alcançado. Desistem, deixando no ar um suspiro carregado de esperança, mas nem sempre há esperança, por vezes só lamentam. Desistem não porque lhe faltem força, têm força de sobra, ao contrário, se fossem fracas não haveriam de ter sobrevivido tanto tempo carregando a cor amarelada, como um ansião carrega nobremente suas rugas. Cartas guerreiras se quer temem à ameça do fogo de fúria insana que anseia a mão covarde que exaspera sobre o papel estas palavras. Palavras que escapam aos dedos da mão ignóbil, não tem culpa de serem assim. Carregam consigo o pecado inocente da concepção. Pecado de quem fez e não de quem é. Ahhh, mas as cartas são bravas, não abandonam a peleja, a eterna batalha do tempo.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Quero amar-te nesse instante com a urgência selvagem do cio. Roubar teus beijos em meio à multidão estúpida incapaz de compreender nosso amor, catatônicos, parvos! Vista-me com teu corpo, alimenta-me com tua boca.  Minhas carências regadas com teus carinhos. Paramos o trânsito, rompemos a dinâmica, roubamos o banco, corremos o eterno perigo da desventura que é viver. Em meio a rostos sem expressão carregamos sorrisos cínicos, de quem sabe estar errado, de quem prefere estar errado. Somos errados, somos errantes, estamos apenas cansados.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Simples assim


Minha mente é verde, rubra, violeta, furta tua cor.
Tua cor tem meus olhos,
meus olhos tem o mundo.
O mundo me tem!
Minha liberdade não tem, 
apenas é!

Ps. Palavras escritas após uma breve, porém interessante conversa com Borboleta Vermelha

domingo, 3 de abril de 2011

Era necessário.


Aconchego-me no borralho de sonhos destruídos pela distração. Anseio a glória desconhecida dos loucos. Tanta lucidez me ensandece, me desorienta. Meus planos são tragados feito fumaça dos teus cigarros. Meus planos são traçados sobre teus poemas de amores descartáveis. A velha luz ainda entra pela janela. O novo sopro arromba a porta e sacode os crisântemos sobre a mesa. Nossas idéias fátuas flutuam em um oceano. Estamos perdidos, meu bem!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Cirandeio

Esboços giram aos meus olhos
Sorriso despreocupado surge na face
Mãos suadas e pernas bambas
Nos seus braços, que você me lace

Melindrosa, me desmancho
Me derramo na grama,
Seja meu macho!
Diz que me ama!

Tuas mentiras quase me satisfazem
Te levo para a roda gigante
Da minha loucura,
Te faço meu amante...
Meu cúmplice, minha cura.

Nem fomos julgados
E já somos condenados.
Nosso amor ultrajante!

Cirandeio! Cirandeio! Cirandeio!
Sempre é nos seus abraços
Que vou parar.
Ciranda Amarela da Artista Plástica Regina C. Kioko

sexta-feira, 4 de março de 2011

Meu corpo não está à venda!


Nós mulheres fomos primeiro deusas da fertilidade, carregávamos no ventre e na pele Gaia, a natureza nua se manifesta em nossos corpos e sangue. Por isso ao invés de “Pai nosso, que estais no céu” quero mesmo “Mãe nossa, que estais na terra”. O homem percebendo da enorme vantagem que carregamos, tratou de macular nossa natureza. O ser humano é um desses bichos traiçoeiros que ao menor sinal de uma ameaça, utilizam-se do ataque como estratégia de defesa. Por milênios fomos subtraídas, nosso corpo que outrora fora símbolo da vida, reduzido de acordo com a mentalidade masculina, em algo sujo, impróprio e corruptor.
A sociedade burguesa que surge com força no século XIX e trouxe consigo uma sede obsessiva por status, logo percebeu o enorme potencial de influência que o corpo feminino exercia, apoderou-se dele, vendeu-o junto com sua enorme montanha de inutilidades. Mas não era qualquer corpo que lhe interessava, trataram logo de definir um padrão de beleza, normatizaram a natureza, deram-lhe regras para seguir. Associaram esse corpo “perfeito” ao luxo e poder. Fizeram da beleza como chamou Michelle Perrot um “espetáculo do homem”. Uma podre caixa de Pandora se abriu.
Olhe as propagandas de perfumes de grifes, mulheres ditas lindas, ao lado de homens dirigindo conversíveis ou em iates de luxo, que a grande maioria das pessoas se quer chegará a ver em sua vida. Detesto ver a maneira como transformaram o corpo feminino em mais uma mercadoria exposta na prateleira. Por mais lutas que tenhamos ganhado, ainda não conseguimos vencer aquela que Gilberto Freyre chamou de “mulher ornamental”, uma mulher subordinada ao patriarcado e com o corpo aberto a ornamentação.
Não precisamos ir tão longe até propagandas de perfumes franceses, um dos mais conhecidos produtos nacionais adora ser veiculado a imagens de mulheres esculturais: a cerveja. Quando vamos tomar nossa cervejinha ao final do dia no boteco do seu Joaquim a caminho de casa, somos bombardeadas com cartazes de mulheres usando o mínimo de roupa, onde o dito produto anunciado (a cerveja) quase não aparece.
Recentemente foi ao ar um comercial da cerveja Devassa (o apelo sexual no nome da marca é tão óbvio, que considero desnecessário perder meu tempo discorrendo sobre), a propaganda é estrelada por uma moça que a mídia nacional desde a década de 1990 construiu a imagem, primeiro de menina perfeita e bem comportada, depois de mulher recatada e boa esposa. O slogan diz “Todo mundo tem um lado devassa”, a publicidade abusiva da marca traz à tona a eterna dualidade na qual os homens encarceraram as mulheres. De um lado a santa de outro a puta. Lamento, mas eu não quero ser nem uma e nem a outra. Contudo ao observarmos as campanhas publicitárias não devemos nos esquecer que estas apenas refletem o contexto no qual estão inseridas.
Como se já não bastasse sermos eternamente comparadas às estrelas da TV e do cinema, com seus corpos perfeitos, cabelos lisos e louros. Fazendo com que tantas mulheres buscassem incessantemente essa forma ditada. Esse padrão estético cheio de regras e normas, alinhado. Desculpe-me sociedade, mas eu gosto mesmo de uma certa anarquia na beleza, sem padrão, multifacetada, diversa. Chega de uma mulher modelo! Somos mulheres, no plural cada uma com sua particularidade, seu encanto e seu desencanto também, afinal, não somos e nem ambicionamos ser perfeitas. Quero a imperfeição! Vamos nos rebelar contra essa monotonia estética, vamos cultivar nossa naturalidade incorreta. Viva aos teus cachos negros! Viva as suas gordurinhas extras! Viva aos teus quadris largos! Viva a nós!



FONTES BIBLIOGRÁFICAS

PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de & SOIHET, Rachel. O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

SAMARÃO, Liliany. “O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia”. In Contemporânea, n.8, 2007.

FREYRE, Gilberto. Modos de homem & Modas de mulher. Rio de Janeiro : Record, 1986.

terça-feira, 1 de março de 2011

Um final feliz, ou quase (Parte 2)


− Sou uma garota estranha – observou ela – gosto de eu mesma fazer os meus cigarros. – disse ela mostrando então os objetos que o rapaz percebeu que eram um pequeno pacote de fumo como os que seu avô utilizava e um papel para enrolar o fumo, enquanto enrolava delicadamente um cigarros com seus dedos longos continuou a falar  – acho um saco não poder fumar em qualquer lugar, em lugares fechados tudo bem, mas, poxa até nas praças existem cartazes de proibido fumar.
− Verdade, o mundo está careta, cada vez mais careta, e quanto mais eu penso, mais tenho medo e pena desse mundo careta.
O rapaz sentou-se ao lado da moça e ficou observando-a por alguns segundos em silêncio enquanto ela terminava o seu cigarro. Seus pensamentos iam e vinham, mas era difícil conter a avalanche que tomara sua mente, estava ludibriado pela beleza dos olhos daquela garota, não que eles fossem azuis como o céu, ou verdes como as águas de um oceano tropical. Eram olhos castanhos, normais para pessoas distraídas, mas aqueles que fossem mais atentos viriam naqueles olhos um brilho diferente, uma intensidade que chegava a chocar, a escandalizar, capaz de enlouquecer mentes fracas. Como um basilisco faria a suas vítimas, mas o olhar da moça não trazia um perigo intencional, a culpa era de quem não suportasse o peso daquele olhar.
Ela em silêncio tragava o cigarro, apreciando vagarosamente a fumaça. Não havia necessidade de palavras. A garota lembrou-se da personagem de Pulp Fiction que constatava que o silêncio desconfortável fazia com que as pessoas falassem asneiras, mais ainda a personagem concluía que um sinal de estar com alguém especial era poder calar a boca e confortavelmente compartilhar o silêncio. As palavras eram desnecessárias. O simples som de uma vogal seria capaz de quebrar a aura magia que se instalara com tamanha facilidade. Desfrutaram do silêncio o quanto puderam, não mais que alguns instantes.
− Vamos? Nossos ônibus já devem estar chegando. Falou a garota com um sorriso doce, mas carregado de uma melancolia singular.
Levantaram e caminharam até os bancos anteriormente ocupados. Não demorou mais do que cinco minutos quando um ônibus grande nas cores vermelho e cinza estacionou bem a sua frente. O rapaz retirou do bolso uma passagem, olhou para ela e em seguida para o ônibus com certo desalento.
É o meu ônibus.
Levantou-se pegou suas coisas, que incluíam uma caixa de violão, uma velha mala de couro e uma caixa retangular de papelão. Ela também se levantou ajudou o rapaz a carregar a caixa de papelão, que era o pertence mais leve. Com um sorriso simpático no rosto e aquele olhar enérgico, ela disse:
 − Então é isso. Tchau, foi um prazer enorme te conhecer, Ítalo.
− Digo o mesmo.
Ele subiu para o ônibus, sentou-se em sua poltrona e pela janela observou ela acenar um adeus. Ítalo não soube e nem sabe dizer até que força lhe impulsionou. Mas sabe que algo muito além de suas razões mentais, fez com que levantasse novamente de sua poltrona. Saiu pela porta. Caminhou dois passos firmes em direção a ela, estendeu seus braços e deu-lhe um beijo como jamais havia beijado alguém. Quando seus corpos se separam, de olhos fechados a garota sorria.
− Boa viagem! – Ela lhe sussurrou no seu ouvindo, fazendo quem ele sentisse seu hálito quente.
− Obrigado!
Voltou para o ônibus, teve a boa viagem que lhe foi desejada, mas nunca mais a viu. Contudo aquele olhar permanece gravado em sua retina e em sua memória.



domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um final feliz, ou quase (Parte 1)


Eram dez e meia da noite, a maioria das pessoas de bem, já se encontravam em suas casas, atentas a novela televisiva. Na plataforma quinze de uma rodoviária um rapaz vestindo uma camiseta surrada, jeans e all star, a barba à dias sem fazer. Sentou-se em um banco a espera do ônibus que marcava o fim de suas férias, era hora de voltar para a rotina do curso de letras que cursava o sexto semestre. Sentou-se, colocou os fones no ouvido e começou a distrair-se com os riffs da guitarra de Jimmy Page sussurrados no seu ouvido, sem perceber de olhos fechados começou a tocar uma guitarra imaginária, esquecendo-se que poderia haver pessoas observando-lhe com olhares de recriminação, uma recriminação que brota no peito de quem não tem coragem de fazer o mesmo, mas que inveja a coragem idílica do ser alheio.
Uma garota usando uma camiseta de tie dye com uma faixa de tecido branca envolvendo os negros cabelos encaracolados, carregava nas costas uma mochila desproporcional para seu tamanho, sentou ao lado do rapaz sem que ele percebesse. Enquanto o carinha ainda estava dedilhando distraidamente sua guitarra, ela retirou da bolsa um livro de tirinhas da Mafalda, abriu e passou lê-lo com uma expressão de sorriso nos olhos.
Pelos corredores da rodoviária aumentava paulatinamente o número de mendigos e viciados. Uma mulher de corpo muito esquálido e olhos fundos, passou apressadamente segurando a calça que teimava em cair. Mas as duas figuras pareciam inertes a atmosfera suja que os envolvia, ele mergulhado em sua música, ela atenta aos quadrinhos. Depois de alguns minutos o rapaz deu-se conta da suntuosa presença feminina ao seu lado. Sua timidez fez com que hesitasse ao tirar os fones de ouvidos para iniciar uma tentativa de conversa. Na segunda tentativa, respirou profundamente, e junto com o ar que encheu seus pulmões encheu-se de uma coragem primitiva.
− Estava te observando - disse o carinha com uma voz grave que não parecia ser sua – você me lembra uma espécie de Alexander Supertramp versão feminina.
A garota deu uma gostosa gargalhada jogando a cabeça para traz fazendo com que lhe caíssem sobre os ombros uma cascata de cabelos encaracolados.
− Quem me dera – respondeu ela com toda a sua sinceridade – admiro ele, mas estou bem longe de fazer todas as renúncias que ele fez. Você viu que lançaram um filme sobre a vida dele?
− Eu adoro aquele filme.
− Eu também! E a trilha sonora? Perfeita.
O rapaz com um movimento rápido mas carregado de sutileza colocou um dos fones de ouvido que trazia em suas mãos nos ouvidos da moça. E ela pode ouvir partes de uma das músicas do filme. Ela fechou os olhos enquanto abria um sorriso de prazer ao apreciar a música. Delicadamente ela retirou o fone de seu ouvido e o devolveu com docilidade para a mão do rapaz, que encurralou o pequeno fone entre seus dedos, enquanto as mãos da garota envolviam a sua. Os olhares se cruzaram por um instante fugaz e ela rapidamente recolheu suas mãos. Levemente ruborizada a moça começou a falar numa tentativa de disfarçar o estranho silêncio que havia se instaurado.
− Essas músicas combinam perfeitamente com estrada, sabe, são músicas que precisam de ar, pedem para serem ouvidas com as janelas do carro abertas, para que cada nota possa respirar e sentir o vento, o cheiro da estrada.
Ele sorriu e concordou com a cabeça. “Qual o seu nome?” pediu ele intrigado diante da moça que lhe chamara a atenção.
− Mariana.
− Sério?! Deixa eu te mostrar uma coisa. – disse em tom de sincera surpresa enquanto retirava um anel do dedo anelar da mão direita – veja, gravado dentro do anel, Mariana, é também o nome de minha namorada.
A Mariana da rodoviária sorriu e perguntou:
− E o seu nome qual é?
− Ítalo.
− Tá brincando? É o nome do meu irmão... Quantas coincidências esquisitas. Constatou ela enquanto ria. − Eu preciso de um cigarro, mas não se pode fumar aqui. Me acompanha até a calçada? – perguntou Mariana, já em pé revirando a bolsa procurando um isqueiro, que depois de encontrado virou um brinquedo entre seus dedos.
Ele levantou-se e consentiu a proposta com um “Uhum”. Caminharam cerca de dez passos rindo e conversando sobre as estranhas coincidências dos nomes. A moça sem cerimônia sentou-se no meio-fio e novamente ela se pôs a revirar a bolsa retirou dela alguns objetos que a primeira vista o rapaz não discernir o que eram.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Que eu não cresça!

"Se  tento descrevê-lo aqui, é justamente porque não o quero esquecer. É triste esquecer um amigo.Nem todo o mundo tem amigo. E eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que só se  interessam por números.  Foi por causa disso que comprei  uma caixa de  tintas e alguns lápis também. É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca se fez outra tentativa além das jibóias fechadas e abertas dos longínquos seis anos ! Experimentarei,claro,   fazer  os  retratos mais parecidos  que puder.  Mas não  tenho muita esperança de conseguir.  Um desenho parece passável;  outro,   já  é  inteiramente  diverso.  Engano-me também no tamanho. Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais. Hesito também quanto a cor do seu traje. 
Vou arriscando então,  aqui  e ali.  Enganar-me-ei  provavelmente em detalhes dos mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações. 
Julgava-me talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci."

Meus medos retirados do livro O Pequeno Príncipe de Antoine Saint-Exupéry

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Tive um sonho estranho...

Tive um sonho estranho, na verdade mais perturbador que estranho, costumo ter sonhos estranhos com uma relativa freqüência, no entanto sonhos perturbadores são raros. Não era um pesadelo, não senti medo durante o sono nem após acordar, senti nojo, um tremendo nojo das invencionices da minha mente enquanto eu dormia. Será que eu não tinha o direito a um sono tranqüilo, direito a sonhar calmamente sem grandes surpresas, sem grandes espetáculos hediondos.
Meu sonho lembrava um filme do Kubrick e bem poderia sê-lo. Ele como ninguém mostra ao público espetáculos violentos, verdadeiras afrontas estéticas. Em meu sonho eu caminhava pela rua, o sol estava abrasante, tudo parecia estar meio amarelado com a luz solar, contudo que não havia muita coisa em meu sonho, além da claridade amarelada, lembro-me apenas do asfalto amarelado, que apesar da tonalidade nem de longe parecia com a estrada de tijolos amarelos de Dorothy, era deserto, lúgubre apesar da luz. 
Vi uma construção como se fosse um antigo cortiço, ao entrar vi duas pessoas conhecidas na vida real. No entanto que jamais vi juntas enquanto acordada, um rapaz e uma moça que se enroscavam desdenhosamente em um canto do cortiço, como quem deseja provocar quem olha, lançavam-me olhares de despeito entre suas carícias voluptuosas. Sentindo-me incomodada com a cena eu virei as costas e continuei a caminhar.
De repente vi um grupo de pessoas em círculos, da mesma maneira como as pessoas se aglomeram em torno de um acidente de trânsito, todos curiosos e sedentos do sangue alheio, como moscas voando em volta da merda. Ao me aproximar da pequena multidão reparei que eles não tinham rostos, no centro eu vi uma moça sendo violentada por um homem muito mais robusto que ela. Ao ver a cena eu fiquei extremamente enojada, tentei gritar, e me debati, mas eu simplesmente perdera a voz e os movimentos, mas crescia uma sensação ruim no peito ao olhar aquele espetáculo de horror. Mas eu simplesmente não conseguia me mover. Lentamente eu já não tentava mais me mover, e ia ficando conformada ao observar a cena horrorosa. Ao acordar tive nojo, da cena, de minha resignação, da resignação da humanidade, nojo de mim mesma.

[Edit] Para apaziguar as sensações, tive outro sonho há poucos dias, desta vez havia uma aura de fantasia em meu sonho que o aproximava mais de um conto de fadas. Em outro post quem sabe eu o conte[/Edit]

domingo, 30 de janeiro de 2011

Para um amigo...

Sejamos irresponsáveis, deixa pra lá o despertador.
Escuta o galo cantar, que já vai amanhecer.
Sejamos imprudentes,
no ímpeto de rogar-lhe juras de amor,
no terror de atirar-me em seu abraço.
Sejamos impúdicos, obscenos.
De pele arrepiada, de sujas píadas.
Sorrisos levianos.
Sejamos tempestade de alma lavada.
Ainda que sem força,
sejamos calmaria.
Serenos
Sejamos machucado, sejamos significado.
Caminho trilhado sem medo, sem passado.
Sejamos eu e você!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Até onde vai a mediocridade

Somos selvagens,
de hábitos bárbaros e rudimentares
Filhos bastardos da freira
Excomungados do seio da mãe
Somos selvagens de terno Hugo Boss.
Somos pútridos,
como vermes a comer a carne em decomposição
Infanticídas, suicídas, genocídas
Tomando Dry Martini de cianureto
As árvores caem, as geleiras derretem
vence a parcela do novo modelo da GM
Somos estúpidos,
ignorantes de nossa própria estupidez
Andando em fila, bem arrumados
é o dia de conhecer a rainha.
God salve the Queen!
Trajamos rancores, vestidos de pudores
Seis anos de análise
O escuro não é só escuro
o escuro é o desconhecido.
Nossa estúpida segurança
quer que sempre tracemos os caminhos
já trilhados, sólidos, arruínados
O pior não é isso...
o pior é que somos conformados.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Correspondências [2]

 Sem saber mais o que fazer pra acalmar a estranha impressão de que minha alma esta engasgada na garganta e qualquer momento vai deixar meu corpo. Fazer de mim embalagem inócua. Então resolvi fazer algo que algum tempo não fazia em vez de deixar minha alma escapar, fazer dela essência, da essência, palavra descompromissada com a verdade universal, pois não passa de uma verdade particular, única (se é que ainda é verdade, e não apenas ilusão de um moribundo).
Enquanto vasculhava no baú de lembranças estranhas que guardo, buscando algo que me acalentasse, lembrei-me do movimento manso das ondas do mar acariciando a areia depois de quebrar e perder sua força. O doce vai e vem convidando pés a entrar no oceano desconhecido, profundo e intenso. Ainda na praia lembrei-me também de quando pisamos na areia molhada e como a pegada se imprime de maneira quase que gentil. O medo inquieto que me arrebatava foi sumindo devagarinho me consumiu a despreocupação.
Ainda do baú velho onde guardo preciosidades retirei outra sensação amo: o vento. Dia quente amenizado pelo vento que sopra com pena dos mortais que sentem, sentem demais, calor demais. O vento sopra. A vontade de abrir os braços e se deixar levar como sílfide encantada arremessada no ar.
Sinto, as vezes acho que sinto mais do que devo, assim em descompasso faço meu samba que sempre tem batuque!