domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um final feliz, ou quase (Parte 1)


Eram dez e meia da noite, a maioria das pessoas de bem, já se encontravam em suas casas, atentas a novela televisiva. Na plataforma quinze de uma rodoviária um rapaz vestindo uma camiseta surrada, jeans e all star, a barba à dias sem fazer. Sentou-se em um banco a espera do ônibus que marcava o fim de suas férias, era hora de voltar para a rotina do curso de letras que cursava o sexto semestre. Sentou-se, colocou os fones no ouvido e começou a distrair-se com os riffs da guitarra de Jimmy Page sussurrados no seu ouvido, sem perceber de olhos fechados começou a tocar uma guitarra imaginária, esquecendo-se que poderia haver pessoas observando-lhe com olhares de recriminação, uma recriminação que brota no peito de quem não tem coragem de fazer o mesmo, mas que inveja a coragem idílica do ser alheio.
Uma garota usando uma camiseta de tie dye com uma faixa de tecido branca envolvendo os negros cabelos encaracolados, carregava nas costas uma mochila desproporcional para seu tamanho, sentou ao lado do rapaz sem que ele percebesse. Enquanto o carinha ainda estava dedilhando distraidamente sua guitarra, ela retirou da bolsa um livro de tirinhas da Mafalda, abriu e passou lê-lo com uma expressão de sorriso nos olhos.
Pelos corredores da rodoviária aumentava paulatinamente o número de mendigos e viciados. Uma mulher de corpo muito esquálido e olhos fundos, passou apressadamente segurando a calça que teimava em cair. Mas as duas figuras pareciam inertes a atmosfera suja que os envolvia, ele mergulhado em sua música, ela atenta aos quadrinhos. Depois de alguns minutos o rapaz deu-se conta da suntuosa presença feminina ao seu lado. Sua timidez fez com que hesitasse ao tirar os fones de ouvidos para iniciar uma tentativa de conversa. Na segunda tentativa, respirou profundamente, e junto com o ar que encheu seus pulmões encheu-se de uma coragem primitiva.
− Estava te observando - disse o carinha com uma voz grave que não parecia ser sua – você me lembra uma espécie de Alexander Supertramp versão feminina.
A garota deu uma gostosa gargalhada jogando a cabeça para traz fazendo com que lhe caíssem sobre os ombros uma cascata de cabelos encaracolados.
− Quem me dera – respondeu ela com toda a sua sinceridade – admiro ele, mas estou bem longe de fazer todas as renúncias que ele fez. Você viu que lançaram um filme sobre a vida dele?
− Eu adoro aquele filme.
− Eu também! E a trilha sonora? Perfeita.
O rapaz com um movimento rápido mas carregado de sutileza colocou um dos fones de ouvido que trazia em suas mãos nos ouvidos da moça. E ela pode ouvir partes de uma das músicas do filme. Ela fechou os olhos enquanto abria um sorriso de prazer ao apreciar a música. Delicadamente ela retirou o fone de seu ouvido e o devolveu com docilidade para a mão do rapaz, que encurralou o pequeno fone entre seus dedos, enquanto as mãos da garota envolviam a sua. Os olhares se cruzaram por um instante fugaz e ela rapidamente recolheu suas mãos. Levemente ruborizada a moça começou a falar numa tentativa de disfarçar o estranho silêncio que havia se instaurado.
− Essas músicas combinam perfeitamente com estrada, sabe, são músicas que precisam de ar, pedem para serem ouvidas com as janelas do carro abertas, para que cada nota possa respirar e sentir o vento, o cheiro da estrada.
Ele sorriu e concordou com a cabeça. “Qual o seu nome?” pediu ele intrigado diante da moça que lhe chamara a atenção.
− Mariana.
− Sério?! Deixa eu te mostrar uma coisa. – disse em tom de sincera surpresa enquanto retirava um anel do dedo anelar da mão direita – veja, gravado dentro do anel, Mariana, é também o nome de minha namorada.
A Mariana da rodoviária sorriu e perguntou:
− E o seu nome qual é?
− Ítalo.
− Tá brincando? É o nome do meu irmão... Quantas coincidências esquisitas. Constatou ela enquanto ria. − Eu preciso de um cigarro, mas não se pode fumar aqui. Me acompanha até a calçada? – perguntou Mariana, já em pé revirando a bolsa procurando um isqueiro, que depois de encontrado virou um brinquedo entre seus dedos.
Ele levantou-se e consentiu a proposta com um “Uhum”. Caminharam cerca de dez passos rindo e conversando sobre as estranhas coincidências dos nomes. A moça sem cerimônia sentou-se no meio-fio e novamente ela se pôs a revirar a bolsa retirou dela alguns objetos que a primeira vista o rapaz não discernir o que eram.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Que eu não cresça!

"Se  tento descrevê-lo aqui, é justamente porque não o quero esquecer. É triste esquecer um amigo.Nem todo o mundo tem amigo. E eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que só se  interessam por números.  Foi por causa disso que comprei  uma caixa de  tintas e alguns lápis também. É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca se fez outra tentativa além das jibóias fechadas e abertas dos longínquos seis anos ! Experimentarei,claro,   fazer  os  retratos mais parecidos  que puder.  Mas não  tenho muita esperança de conseguir.  Um desenho parece passável;  outro,   já  é  inteiramente  diverso.  Engano-me também no tamanho. Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais. Hesito também quanto a cor do seu traje. 
Vou arriscando então,  aqui  e ali.  Enganar-me-ei  provavelmente em detalhes dos mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações. 
Julgava-me talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci."

Meus medos retirados do livro O Pequeno Príncipe de Antoine Saint-Exupéry

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Tive um sonho estranho...

Tive um sonho estranho, na verdade mais perturbador que estranho, costumo ter sonhos estranhos com uma relativa freqüência, no entanto sonhos perturbadores são raros. Não era um pesadelo, não senti medo durante o sono nem após acordar, senti nojo, um tremendo nojo das invencionices da minha mente enquanto eu dormia. Será que eu não tinha o direito a um sono tranqüilo, direito a sonhar calmamente sem grandes surpresas, sem grandes espetáculos hediondos.
Meu sonho lembrava um filme do Kubrick e bem poderia sê-lo. Ele como ninguém mostra ao público espetáculos violentos, verdadeiras afrontas estéticas. Em meu sonho eu caminhava pela rua, o sol estava abrasante, tudo parecia estar meio amarelado com a luz solar, contudo que não havia muita coisa em meu sonho, além da claridade amarelada, lembro-me apenas do asfalto amarelado, que apesar da tonalidade nem de longe parecia com a estrada de tijolos amarelos de Dorothy, era deserto, lúgubre apesar da luz. 
Vi uma construção como se fosse um antigo cortiço, ao entrar vi duas pessoas conhecidas na vida real. No entanto que jamais vi juntas enquanto acordada, um rapaz e uma moça que se enroscavam desdenhosamente em um canto do cortiço, como quem deseja provocar quem olha, lançavam-me olhares de despeito entre suas carícias voluptuosas. Sentindo-me incomodada com a cena eu virei as costas e continuei a caminhar.
De repente vi um grupo de pessoas em círculos, da mesma maneira como as pessoas se aglomeram em torno de um acidente de trânsito, todos curiosos e sedentos do sangue alheio, como moscas voando em volta da merda. Ao me aproximar da pequena multidão reparei que eles não tinham rostos, no centro eu vi uma moça sendo violentada por um homem muito mais robusto que ela. Ao ver a cena eu fiquei extremamente enojada, tentei gritar, e me debati, mas eu simplesmente perdera a voz e os movimentos, mas crescia uma sensação ruim no peito ao olhar aquele espetáculo de horror. Mas eu simplesmente não conseguia me mover. Lentamente eu já não tentava mais me mover, e ia ficando conformada ao observar a cena horrorosa. Ao acordar tive nojo, da cena, de minha resignação, da resignação da humanidade, nojo de mim mesma.

[Edit] Para apaziguar as sensações, tive outro sonho há poucos dias, desta vez havia uma aura de fantasia em meu sonho que o aproximava mais de um conto de fadas. Em outro post quem sabe eu o conte[/Edit]