sexta-feira, 11 de março de 2011

Cirandeio

Esboços giram aos meus olhos
Sorriso despreocupado surge na face
Mãos suadas e pernas bambas
Nos seus braços, que você me lace

Melindrosa, me desmancho
Me derramo na grama,
Seja meu macho!
Diz que me ama!

Tuas mentiras quase me satisfazem
Te levo para a roda gigante
Da minha loucura,
Te faço meu amante...
Meu cúmplice, minha cura.

Nem fomos julgados
E já somos condenados.
Nosso amor ultrajante!

Cirandeio! Cirandeio! Cirandeio!
Sempre é nos seus abraços
Que vou parar.
Ciranda Amarela da Artista Plástica Regina C. Kioko

sexta-feira, 4 de março de 2011

Meu corpo não está à venda!


Nós mulheres fomos primeiro deusas da fertilidade, carregávamos no ventre e na pele Gaia, a natureza nua se manifesta em nossos corpos e sangue. Por isso ao invés de “Pai nosso, que estais no céu” quero mesmo “Mãe nossa, que estais na terra”. O homem percebendo da enorme vantagem que carregamos, tratou de macular nossa natureza. O ser humano é um desses bichos traiçoeiros que ao menor sinal de uma ameaça, utilizam-se do ataque como estratégia de defesa. Por milênios fomos subtraídas, nosso corpo que outrora fora símbolo da vida, reduzido de acordo com a mentalidade masculina, em algo sujo, impróprio e corruptor.
A sociedade burguesa que surge com força no século XIX e trouxe consigo uma sede obsessiva por status, logo percebeu o enorme potencial de influência que o corpo feminino exercia, apoderou-se dele, vendeu-o junto com sua enorme montanha de inutilidades. Mas não era qualquer corpo que lhe interessava, trataram logo de definir um padrão de beleza, normatizaram a natureza, deram-lhe regras para seguir. Associaram esse corpo “perfeito” ao luxo e poder. Fizeram da beleza como chamou Michelle Perrot um “espetáculo do homem”. Uma podre caixa de Pandora se abriu.
Olhe as propagandas de perfumes de grifes, mulheres ditas lindas, ao lado de homens dirigindo conversíveis ou em iates de luxo, que a grande maioria das pessoas se quer chegará a ver em sua vida. Detesto ver a maneira como transformaram o corpo feminino em mais uma mercadoria exposta na prateleira. Por mais lutas que tenhamos ganhado, ainda não conseguimos vencer aquela que Gilberto Freyre chamou de “mulher ornamental”, uma mulher subordinada ao patriarcado e com o corpo aberto a ornamentação.
Não precisamos ir tão longe até propagandas de perfumes franceses, um dos mais conhecidos produtos nacionais adora ser veiculado a imagens de mulheres esculturais: a cerveja. Quando vamos tomar nossa cervejinha ao final do dia no boteco do seu Joaquim a caminho de casa, somos bombardeadas com cartazes de mulheres usando o mínimo de roupa, onde o dito produto anunciado (a cerveja) quase não aparece.
Recentemente foi ao ar um comercial da cerveja Devassa (o apelo sexual no nome da marca é tão óbvio, que considero desnecessário perder meu tempo discorrendo sobre), a propaganda é estrelada por uma moça que a mídia nacional desde a década de 1990 construiu a imagem, primeiro de menina perfeita e bem comportada, depois de mulher recatada e boa esposa. O slogan diz “Todo mundo tem um lado devassa”, a publicidade abusiva da marca traz à tona a eterna dualidade na qual os homens encarceraram as mulheres. De um lado a santa de outro a puta. Lamento, mas eu não quero ser nem uma e nem a outra. Contudo ao observarmos as campanhas publicitárias não devemos nos esquecer que estas apenas refletem o contexto no qual estão inseridas.
Como se já não bastasse sermos eternamente comparadas às estrelas da TV e do cinema, com seus corpos perfeitos, cabelos lisos e louros. Fazendo com que tantas mulheres buscassem incessantemente essa forma ditada. Esse padrão estético cheio de regras e normas, alinhado. Desculpe-me sociedade, mas eu gosto mesmo de uma certa anarquia na beleza, sem padrão, multifacetada, diversa. Chega de uma mulher modelo! Somos mulheres, no plural cada uma com sua particularidade, seu encanto e seu desencanto também, afinal, não somos e nem ambicionamos ser perfeitas. Quero a imperfeição! Vamos nos rebelar contra essa monotonia estética, vamos cultivar nossa naturalidade incorreta. Viva aos teus cachos negros! Viva as suas gordurinhas extras! Viva aos teus quadris largos! Viva a nós!



FONTES BIBLIOGRÁFICAS

PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de & SOIHET, Rachel. O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

SAMARÃO, Liliany. “O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia”. In Contemporânea, n.8, 2007.

FREYRE, Gilberto. Modos de homem & Modas de mulher. Rio de Janeiro : Record, 1986.

terça-feira, 1 de março de 2011

Um final feliz, ou quase (Parte 2)


− Sou uma garota estranha – observou ela – gosto de eu mesma fazer os meus cigarros. – disse ela mostrando então os objetos que o rapaz percebeu que eram um pequeno pacote de fumo como os que seu avô utilizava e um papel para enrolar o fumo, enquanto enrolava delicadamente um cigarros com seus dedos longos continuou a falar  – acho um saco não poder fumar em qualquer lugar, em lugares fechados tudo bem, mas, poxa até nas praças existem cartazes de proibido fumar.
− Verdade, o mundo está careta, cada vez mais careta, e quanto mais eu penso, mais tenho medo e pena desse mundo careta.
O rapaz sentou-se ao lado da moça e ficou observando-a por alguns segundos em silêncio enquanto ela terminava o seu cigarro. Seus pensamentos iam e vinham, mas era difícil conter a avalanche que tomara sua mente, estava ludibriado pela beleza dos olhos daquela garota, não que eles fossem azuis como o céu, ou verdes como as águas de um oceano tropical. Eram olhos castanhos, normais para pessoas distraídas, mas aqueles que fossem mais atentos viriam naqueles olhos um brilho diferente, uma intensidade que chegava a chocar, a escandalizar, capaz de enlouquecer mentes fracas. Como um basilisco faria a suas vítimas, mas o olhar da moça não trazia um perigo intencional, a culpa era de quem não suportasse o peso daquele olhar.
Ela em silêncio tragava o cigarro, apreciando vagarosamente a fumaça. Não havia necessidade de palavras. A garota lembrou-se da personagem de Pulp Fiction que constatava que o silêncio desconfortável fazia com que as pessoas falassem asneiras, mais ainda a personagem concluía que um sinal de estar com alguém especial era poder calar a boca e confortavelmente compartilhar o silêncio. As palavras eram desnecessárias. O simples som de uma vogal seria capaz de quebrar a aura magia que se instalara com tamanha facilidade. Desfrutaram do silêncio o quanto puderam, não mais que alguns instantes.
− Vamos? Nossos ônibus já devem estar chegando. Falou a garota com um sorriso doce, mas carregado de uma melancolia singular.
Levantaram e caminharam até os bancos anteriormente ocupados. Não demorou mais do que cinco minutos quando um ônibus grande nas cores vermelho e cinza estacionou bem a sua frente. O rapaz retirou do bolso uma passagem, olhou para ela e em seguida para o ônibus com certo desalento.
É o meu ônibus.
Levantou-se pegou suas coisas, que incluíam uma caixa de violão, uma velha mala de couro e uma caixa retangular de papelão. Ela também se levantou ajudou o rapaz a carregar a caixa de papelão, que era o pertence mais leve. Com um sorriso simpático no rosto e aquele olhar enérgico, ela disse:
 − Então é isso. Tchau, foi um prazer enorme te conhecer, Ítalo.
− Digo o mesmo.
Ele subiu para o ônibus, sentou-se em sua poltrona e pela janela observou ela acenar um adeus. Ítalo não soube e nem sabe dizer até que força lhe impulsionou. Mas sabe que algo muito além de suas razões mentais, fez com que levantasse novamente de sua poltrona. Saiu pela porta. Caminhou dois passos firmes em direção a ela, estendeu seus braços e deu-lhe um beijo como jamais havia beijado alguém. Quando seus corpos se separam, de olhos fechados a garota sorria.
− Boa viagem! – Ela lhe sussurrou no seu ouvindo, fazendo quem ele sentisse seu hálito quente.
− Obrigado!
Voltou para o ônibus, teve a boa viagem que lhe foi desejada, mas nunca mais a viu. Contudo aquele olhar permanece gravado em sua retina e em sua memória.