domingo, 31 de outubro de 2010

Mar de sargaços



Uma flor furta cor
nasceu no meu jardim,
um verme rasteja entre as pedras
cheirando à jasmin.
Sob o guarda-sol
um senhora honrada 
serve coquitéis molotov.
Crianças amputadas
remexem o meu lixo
Uma abelha faz um zumbido
nos meus ouvidos.
O sol abrasante deixa 
tudo vago e difuso.
Roubo teus pecados
e não consigo teu perdão.
Um trato mal oficializado.
Um caminho mal trilhado.
O cigarro já apagado,
o copo vázio.
A cama vázia.
O café frio ainda te espera.
O dia quente entra pela janela,
a vida que segue mole e sonsa.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Luxúria!


Teu nome é Aventura,
que percorro
com minha língua.
Amar sem amargura.
Desamarra minhas fitas,
tira o meu vestido de chita.
Amor sem pudor.
Sacaneia os meus medos,
destrona o meu desejo.
Ai de mim que cedo...
Me possui, me toma,
me tornas tua rainha
de um dia.
Amor é liberdade!
Soneto louco,
versado sem propósito.
Comtemplado por um suspiro rouco.
Amor é igualdade.
Não condena meus pecados
recem confessados.
Me ame sem regras.
Livres!
Amar sem vaidade.
Te sinto na pele,
à flor-da-pele.
Quente no meu sangue.
Meu verso tem cheiro de sexo!
Amor, insano amar...
Deixamos o moralista perplexo.
Te quero nesse instante.
Urgente!
Mas não te quero sempre.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Correspondências

A intimidade que escrever cartas para alguém querido, exerce sobre meu ato de escrever uma ação libertadora de amarras. Me liberta. Escrevo apenas o que sinto sem a preocupação excessiva com a forma que as palavras tomam. Segue abaixo alguns trechos de correspondências minhas à amigos, amantes, errantes.

 "Bem, eu te falei que passei uma noite de insônia, e nesta noite meu travesseiro me aconselhou como o velho amigo que é. Meus pensamentos iam e vinham, passavam por amigos com os quais eu dei mancada, por amigos que deram mancadas comigo, por romances fadados ao fracasso, por romances possíveis e é claro o que eu faria se ganhasse na mega-sena. O e-mail que lhe escrevo é apenas um dos e-mails que resultou a minha noite em claro, alguns já enviei, outros não sei se consiguirei. Bem porque escrever por e-mail se falo com vc sempre, não sei, acho que talvez um monólogo seja mais fácil, que venha a avalanche de perguntas depois."

"Mas tudo isso são conjunções de possiblidades, um jogo de "se": "se fosse...", "se existisse", "se você", "se eu", "se outro". Pois nem toda a racionalidade de uma virginiana com ascendente em virgem é capaz de juntar os fatos presentes para construir um futuro impalpável, quando se trata de futuro e sentimentos, somos todos equilibristas com guarda-chuva cor-de-rosa, dançando em cima de uma corda dourada suspensa no ar, que não consegue esconde o abismo caótico que se encontra abaixo de nossos pés."

"As palavras que aqui tens, esvairam-se como pústula que necessita ser grangrenada. As palavras percorriam minha mente e explodiam em meus dedos, queriam ganhar o mundo, virar tinta, queriam sair do plano das idéias e ser mais mortais, mais reais. Pulsavam. As palavras tem vida própria, extirpável de nossa vontade. Não sei, se algum momento vc desejou essa explicação enfadonha que não no fundo não explica nada. Não sei , se havia a necessidade disto. Não sei de muita coisa. Mas as coisas que sei, sei com a certeza absoluta de que sei."

"Estava conversando ontem com uma amiga que vive em uma fissura ôntica, como diria Caio Fernando de Abreu, e ficamos imaginando como nossos ídolos fariam em tal situação, chegamos a conclusão que Cazuza com certeza faria com uma garrafa de conhaque, fumando vários cigarros, falando verdades obcenas na cara das pessoas, jogaria tudo para o alto e viraria as costas pra não ver nada cair. No semblante dele estariam estampados os olhos marejados de lágrimas, como os olhos de Capitu, mas nos lábios carregariam um sorriso cínico feito criança que fez travessura. Pois bem, que assim seja!"

E claro confidências lisérgicas!
"Se ninguém sabe a receita do chá de belladonna para nos entorpecer no nosso Sitiostock, e acredito que chá de nós moscada eh somente placebo... Vamos tomar chá de fita cassete, se ninguém tiver uma fita cassete, ferventamos as pilhas do controle remoto, se ainda assim não ficarmos loucos, vamos cheirar meia. Se o efeito das meias passar, lambemos sapo. Em últimos caso sempre há o café coado na calcinha para enebriar de paixão.
Tomar suco de comigo-ninguém-pode e concluir que com nós também não podem.
Aflorar nossa surrealidade anacrônica, deixar transparecer a ânsia de não ser. Sagrado invade a nossa realidade profana, imacular os pecadores insanos, que não tem consciência do erro (ou tem), o fazem por simples desejo de escapar de um rolo compressor nefasto e invisivel."

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Retalhos

*Texto escrito em 9/10/2009, desculpem-me os raros amigos que já leram minhas palavras néscias. Mas tenho tido dificuldades de escrever novamente. Tem faltado emoções expressíveis.


Talvez a vida seja como uma colcha de retalhos, daquelas que minha vó Maria, (mineira, analfabeta, que tinha vergonha de sorrir e mostrar os dentes)... talvez a vida seja como uma dessas colchas, costuradas com tamanho esmero e cuidado.
Um pequeno quadrado de tafetá rosa do vestido de baile da moça, que naquela noite pôs uma flor no cabelo, um velho colar no pescoço, pequenos brincos de pérolas de plástico, e dançou a noite inteira, como se fosse a ultima, em cada par desejou encontrar um acalanto, um amor suspirado aos cantos. Mas da grande noite, do grande baile, a maior lembrança foram os pés calejados.
Aquele pequeno quadrado de linho de boa qualidade que outrora fora o terno bem costurado do maior galanteador da cidade, quantos abraços femininos não sentiu aquele terno, quantas noites não foi arrancado com violência e paixão, quantas vezes o terno cheirava à cigarros de palha, desses que são enrolados nas coxas das mulatas. Tantas foram as vezes que tamanho desejo arrancou o botão superior, mas quando a vida deixou o corpo, ninguém achou que o terno merecia o caixão.
No pequeno pedaço de chita ficou os sonhos da menina da roça, tímida como bicho arisco, escondia-se de olhares furtivos. Olhava para baixo por medo de olhar nos olhos e quem sabe perder-se naquele oceano azul...
O tecido rendado branco, um dia teve a glória fracassada de pertencer ao vestido da noiva abandonada no altar em manhã de sol no mês de maio. Os sinos badalaram anunciando o casamento, a igreja encheu-se das mais nobres e pérfidas pessoas. Os minutos viraram anos e noivo não chegava. O penteado, a linda tiara, o véu como manto da virgindade, começaram a desmoronar diante do desespero transformado em loucura da moça que a vida desejou entregar a um homem.
O quadradinho de pano azul vivo, as memórias de uma antiga camisa de futebol, que vestia o peito do menino arteiro. A pelada no campinho de várzea, as aventuras montadas sobre a bicicleta, roubar as jabuticabas do velho ranzinza no fim da rua. A criança que deixava as freiras da escola quase loucas de ira e depois ria-se gostoso das travessuras. Fugia, corria com toda a força que os pulmões lhe davam quando via de longe o chinelo e a ameaça da surra punitiva.
O cetim preto vestiu a viúva que de tantas lágrimas derramou em vida durante o enterro estava seca. A mulher perguntava-se porque sentia-se tão aliviada, por fim cessaria as noites sofridas, em que trancava-se no banheiro para fugir da furia ébria do desconhecido com quem dividia o leito por mais de vinte anos. Acabavam-se ali as noites dormidas no tapete de crochê que ficava em frente ao vaso sanitário. Acabava-se ali as desculpas para os olhos cor roxos e inchados. Findava o martírio de uma vida divida à dois.
É somos retalhos de costura bem feita aqui, e meio desalinhados acolá.