quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Não devia ter lido John Fante

- Você é um babaca arrogante, seu narcisismo te cegou, e você jamais conseguiu me enxergar de verdade. – Disse ela enquanto tragava a fumaça de um baseado, sentada no sofá cinza e velho da sala, com as costas apoiadas em um braço sofá suas longas pernas erguidas e apoiadas no outro braço. Tinha pernas lindas, grossas, e pés pequenos.
Tentei contra argumentar, disse qualquer merda sobre como eu enxergava o mundo sob meu prisma e que isso eram verdades pra mim, ou seja, falei umas merdas das quais nem eu acreditava direito.
Ela tinha chegado lá em casa há cerca de uns quarenta minutos, com a desculpa de fumar um. Quando ela me ligou falando que tava levando uma guimba da boa e perguntou se queria fumar, achei que ela queria transar e precisava de uma desculpa. Ela vivia querendo transar, se retorcendo diferente, agindo como age uma mulher quando ta querendo dar, ela vivia querendo dar.
De cara quando ela chegou saquei que ela tava mesmo era querendo brigar, suas narinas se dilatavam vagarosamente enquanto respirava, parecia que estava farejando sangue. Quando entrou pela porta, tentava manter uma imagem descontraída, um sorriso colado da cara, que deixava bem a mostra seus caninos felinos.
Ela tava usando uma minissaia de tecido leve que balançava enquanto ela caminhava, e ali com as pernas erguidas, dava pra ver a calcinha dela, preta, mas não consegui distinguir se era uma daquelas de renda que ela gostava de usar. A nudez das longas pernas os pés descalços me desconsertava um pouco, não me deixava com tesão. É que ela ali com aquelas pernas esparramada no sofá, eu encurvado sentado numa cadeira dura, desconfortável de mim mesmo, invejava e odiava a maneira como ela relaxava o corpo.
- Fiquei com muita raiva das coisas que você disse, da imagem que você fez de mim – continuou a falar depois de alguns segundos que ficou distraída com a fumaça do cigarro. – não consigo entender de onde você retirou aquelas idéias, você pintou uma forma deturpada de mim, você gosta dessa palavra, né? De-tur-pa-da – falou bem devagar sentindo o gosto de cada sílaba, cada fonema, cada som. Merda, me senti desarmado pela segunda vez, ela sacou um vício de linguagem, uma muleta do meu discurso, e esfregou na minha cara. Foda-se, fosse como fosse eu não me importava muito com o rumo daquela conversa, só queria ficar sozinho de novo. Dei de ombros e permaneci em silêncio. Inclinou-se para frente e me passou o baseado. O meu silêncio dominou o cômodo como um rei belga na África, duro e cruel, eu queria assim. Mas não durou muito, só o tempo suficiente para ela recuperar o fôlego e soltar devagar a fumaça da maconha.
- Tive muita vontade de te machucar, porra, eu não sou assim – continuou ela com uma sinceridade dolorida – vontade de falar de cada cara que esteve aqui dentro só pra te ferir – sua mão deslizou pela barriga desceu até a virilha, ela abriu levemente as pernas enquanto a mão descia ainda mais um pouco e os dedos faziam uma pequena pressão sobre a seu sexo.
Me senti aliviado por ela não ter começado a falar desses outros caras, detonaria o pouco que me resta de orgulho macho. A brasa do beck caiu no chão apaguei-a esmagando-a com meu pé enfiado em um chinelo havaiana.
- Esse baseado acabou, eu disse displicente com se nem estivesse naquela conversa, não queria estar.
- Cara, o que eu to querendo dizer é que não rola mais, a emoção acabou. Mas gosto de você pra caralho, sempre te disse isso. Quem sabe assim, sem me comer você seja capaz de me ver. – ela falou enquanto se endireitava no sofá e sentava corretamente no sofá cruzando as pernas ainda tão a mostra.
- Acho que tu tem razão – só consegui dizer essa frase patética, quando não sabia ao certo o que dizer, o que gritar. As coisas não tavam legais mesmo, isso era certo. Ainda assim, era bom tê-la por perto. Mas, logo eu não sentiria mais falta, no começo teria aquela sensação de membro fantasma, quando alguém amputa uma perna ou braço e continua por um tempo sentindo coceira no calcanhar ou na palma da mão que não existe mais. Eu sentiria essa coceira, mas era só uma coceira. Não se morre de coceira.
 Ela levantou veio até minha figura encurvada na cadeira dura e deu um beijo na minha testa, sussurrou que precisava ir embora com voz bem mais doce do que nunca. Foi até a porta sem fazer cerimônia, ela já conhecia até o segredo do trinco emperrado, abriu e saiu sem olhar para trás.
Fiquei ali ainda um tempo, remexendo as cinzas do cinzeiro com um palito de fósforo usado. Levantei, fui até o banheiro lavei o rosto me olhei rapidamente no espelho trincado, vi um miserável de cara macilenta e cinza.

Eu não dei certo, nunca quis dar certo, sou a causa da insônia de minha mãe. Bandini, Chinaski a culpa é de vocês que também não deram certo e me convenceram de que isso era o certo.

Um comentário:

  1. Pode cre Má, imaginei uma peça aí, com esse diálogo. A situação é um encaixe!

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