- Você é um babaca arrogante, seu
narcisismo te cegou, e você jamais conseguiu me enxergar de verdade. – Disse
ela enquanto tragava a fumaça de um baseado, sentada no sofá cinza e velho da
sala, com as costas apoiadas em um braço sofá suas longas pernas erguidas e
apoiadas no outro braço. Tinha pernas lindas, grossas, e pés pequenos.
Tentei contra argumentar, disse
qualquer merda sobre como eu enxergava o mundo sob meu prisma e que isso eram
verdades pra mim, ou seja, falei umas merdas das quais nem eu acreditava
direito.
Ela tinha chegado lá em casa há
cerca de uns quarenta minutos, com a desculpa de fumar um. Quando ela me ligou
falando que tava levando uma guimba da boa e perguntou se queria fumar, achei
que ela queria transar e precisava de uma desculpa. Ela vivia querendo transar,
se retorcendo diferente, agindo como age uma mulher quando ta querendo dar, ela
vivia querendo dar.
De cara quando ela chegou saquei
que ela tava mesmo era querendo brigar, suas narinas se dilatavam vagarosamente
enquanto respirava, parecia que estava farejando sangue. Quando entrou pela
porta, tentava manter uma imagem descontraída, um sorriso colado da cara, que
deixava bem a mostra seus caninos felinos.
Ela tava usando uma minissaia de
tecido leve que balançava enquanto ela caminhava, e ali com as pernas erguidas,
dava pra ver a calcinha dela, preta, mas não consegui distinguir se era uma
daquelas de renda que ela gostava de usar. A nudez das longas pernas os pés
descalços me desconsertava um pouco, não me deixava com tesão. É que ela ali
com aquelas pernas esparramada no sofá, eu encurvado sentado numa cadeira dura,
desconfortável de mim mesmo, invejava e odiava a maneira como ela relaxava o
corpo.
- Fiquei com muita raiva das
coisas que você disse, da imagem que você fez de mim – continuou a falar depois
de alguns segundos que ficou distraída com a fumaça do cigarro. – não consigo
entender de onde você retirou aquelas idéias, você pintou uma forma deturpada
de mim, você gosta dessa palavra, né? De-tur-pa-da – falou bem devagar sentindo
o gosto de cada sílaba, cada fonema, cada som. Merda, me senti desarmado pela
segunda vez, ela sacou um vício de linguagem, uma muleta do meu discurso, e
esfregou na minha cara. Foda-se, fosse como fosse eu não me importava muito com
o rumo daquela conversa, só queria ficar sozinho de novo. Dei de ombros e
permaneci em silêncio. Inclinou-se para frente e me passou o baseado. O meu
silêncio dominou o cômodo como um rei belga na África, duro e cruel, eu queria
assim. Mas não durou muito, só o tempo suficiente para ela recuperar o fôlego e
soltar devagar a fumaça da maconha.
- Tive muita vontade de te
machucar, porra, eu não sou assim – continuou ela com uma sinceridade dolorida
– vontade de falar de cada cara que esteve aqui dentro só pra te ferir – sua
mão deslizou pela barriga desceu até a virilha, ela abriu levemente as pernas
enquanto a mão descia ainda mais um pouco e os dedos faziam uma pequena pressão
sobre a seu sexo.
Me senti aliviado por ela não ter
começado a falar desses outros caras, detonaria o pouco que me resta de orgulho
macho. A brasa do beck caiu no chão apaguei-a esmagando-a com meu pé enfiado em
um chinelo havaiana.
- Esse baseado acabou, eu disse
displicente com se nem estivesse naquela conversa, não queria estar.
- Cara, o que eu to querendo dizer
é que não rola mais, a emoção acabou. Mas gosto de você pra caralho, sempre te
disse isso. Quem sabe assim, sem me comer você seja capaz de me ver. – ela
falou enquanto se endireitava no sofá e sentava corretamente no sofá cruzando
as pernas ainda tão a mostra.
- Acho que tu tem razão – só
consegui dizer essa frase patética, quando não sabia ao certo o que dizer, o
que gritar. As coisas não tavam legais mesmo, isso era certo. Ainda assim, era
bom tê-la por perto. Mas, logo eu não sentiria mais falta, no começo teria
aquela sensação de membro fantasma, quando alguém amputa uma perna ou braço e
continua por um tempo sentindo coceira no calcanhar ou na palma da mão que não
existe mais. Eu sentiria essa coceira, mas era só uma coceira. Não se morre de
coceira.
Ela levantou veio até minha figura encurvada
na cadeira dura e deu um beijo na minha testa, sussurrou que precisava ir
embora com voz bem mais doce do que nunca. Foi até a porta sem fazer cerimônia,
ela já conhecia até o segredo do trinco emperrado, abriu e saiu sem olhar para
trás.
Fiquei ali ainda um tempo,
remexendo as cinzas do cinzeiro com um palito de fósforo usado. Levantei, fui
até o banheiro lavei o rosto me olhei rapidamente no espelho trincado, vi um
miserável de cara macilenta e cinza.
Eu não dei certo, nunca quis dar
certo, sou a causa da insônia de minha mãe. Bandini, Chinaski a culpa é de
vocês que também não deram certo e me convenceram de que isso era o certo.