segunda-feira, 22 de abril de 2013

Estranhos rituais de purificação


Não conseguia dormir, era a terceira ou quarta vez somente naquela semana. Passavam das duas da madrugada, revirava na cama. Culpava o café em hora inapropriada, a cabeça cheia de problemas, a velha mania de tirar as casquinhas das feridas existenciais.  Não dormia! 
Lembrou-se da menina que foi um dia, que gostava de se esconder pelo enorme quintal da casa onde passou a infância para simplesmente olhar o céu. Era ali, olhando o céu que tinha certeza de que a Terra era redonda, como a tia Ruth havia ensinado na primeira série,  era olhando o céu que aquela menina também tinha certeza de que Deus existia.  A lua e as estrelas só podiam ser bonitas daquele jeito, por que Deus existia, e nem adiantava argumentar com uma balela de gases e luzes refletidas, era Deus. E como era divertido ver todos procurando por ela. Ficava ali, com as pernas junto ao corpo num cantinho, só observando. Veio a adolescência e aquele sentimento de não pertencimento, passou a fazer o estranho ritual da infância com uma freqüência ainda maior.
Hoje já havia passado a infância e adolescência, e ela também deixou pra trás o velho hábito. E na cama que não lhe trazia nem sono, nem alento, recitou mentalmente Fernando Pessoa “Vejo-me criança contente de nada, adolescente aspirando a tudo, viril sem alegria nem aspiração." Subitamente levantou, nua, aliás nua não, ela usava um par de meias, tinha frio, porra. Enrolou-se no cobertor, pegou displicentemente um cigarro, acendeu-o. Sentou-se no quintal e pôs-se a olhar o céu, tal qual fazia quando era apenas uma menina.  Mas agora carregava cicatrizes, colecionava fracassos, um sorriso que ficou amarelo quando resolveu crescer. Entretanto, ali, nua sob o céu voltou a ser a menina que foi um dia. 



segunda-feira, 1 de abril de 2013

Nos meus silêncios moram declarações de amor.


A palavra contida, o olhar terno, não existem silêncios quando o dividimos com alguém especial. Sempre me lembro da Uma Thurman divagando sobre os silêncios desconfortáveis em Pulp Fiction, só conseguimos ficar em silêncio quando estamos com alguém que valha a pena partilhar o silêncio.
Mas meus silêncios são sinfonia de cacofonia, tão cheios de nada. Nos meus silêncios há mais sermões do que qualquer Padre Vieira possa imaginar, há uma Ilíada de gentes pequenas. Não há nada nos meus silêncios, apenas silêncios ocos.

"Eu nem vejo a hora de lhe dizer
Aquilo tudo que eu decorei
E depois o beijo que eu já sonhei" (Mutantes)

Quem nunca ensaiou? Quem nunca silenciou? Quem nunca sonhou?